Tatiane Vargas / Informe Ensp
Apresentar um panorama mundial sobre os desafios e
perspectivas para o controle do tabaco no Brasil e no mundo foi o
objetivo do seminário internacional realizado pelo Centro de Estudos
sobre Tabaco e Saúde (Cetab) da Escola Nacional de Saúde Pública
Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz). A atividade contou com a participação
de quatro lideranças mundiais no assunto: Roberto Iglesias, Stella
Bialous, Tânia Cavalcante e Vera Luiza da Costa e Silva, cujas
palestras abordaram a política de preços e impostos dos produtos
derivados dessa substância, as estratégias inovadoras da indústria,
as perspectivas da Política Nacional de Controle do Tabaco, além
dos desafios para o controle do fumo no mundo, respectivamente. O
evento, que encerrou as atividades do curso de atualização em
Políticas de Controle do Tabagismo, teve como mediadora a
coordenadora do Cetab, Valeska Figueiredo.
Foto O Plano de Enfrentamento as Doenças
Crônicas Não Transmissíveis
2011-2022 foi citado no evento como um
grande avanço
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No que se refere às taxas e impostos de produtos
derivados do tabaco no Brasil e na América Latina, o economista do
Banco Mundial, Roberto Iglesias, discorreu sobre algumas práticas
tributárias, incluindo a experiência da América Latina e do
Brasil, além de questões relacionadas ao aumento dos impostos nos
produtos oriundos da substância. Segundo ele, a tributação sobre o
tabaco deve contribuir para reduzir o consumo per capita e
a prevalência de fumantes, pois, aumentando relativamente o preço
dos produtos de tabaco frente a outros bens de consumo e a renda
pessoal, estimula-se a redução ou cessão do tabagismo.
“A tributação especial no Brasil e em outros
países da América Latina vem contribuindo significativamente para a
redução do controle do tabaco. Se não houver efeito no preço, não
há efeito no consumo”, apontou ele. Sobre a experiência
tributária, Iglesias comentou uma comparação na mudança da
estrutura por tipo de imposto e por nível de renda entre 2008 e 2012
em países da América Latina, que melhorou significativamente as
políticas tributárias sobre o tabaco. “Os maiores desafios
para o controle do tabaco estão nos países de renda baixa”. O
economista ressaltou ainda algumas questões no que diz respeito ao
aumento dos impostos sobre o tabaco, já que, na opinião dele, há
falhas em diversas variáveis necessárias para a tomada de decisão.
Os artifícios da indústria do tabaco
As inovadoras estratégias da indústria do tabaco
no mundo foi o tema abordado pela presidente da Tobacco Policy
International - uma organização de pesquisas e consultoria
sobre políticas -, Stella Bialous. De acordo com ela, a indústria,
por meio de diferentes estratégias, acessa as informações de
vários níveis do governo e setores, obtendo ampla oportunidade de
influenciar o processo político e de elaboração de políticas
públicas. Stella apontou alguns exemplos de manobras para controlar
o processo político e legislativo, tais como: usar lobistas,
posicionar uma agência de governo contra a outra, promover
autorregulamentação como opção à legislação, além de criar
parcerias com órgãos do governo.
Outro artifício da indústria citado pela
consultora foi a fabricação de apoio, por intermédio de grupos de
fachada. Segundo ela, a indústria tentar sustentar controvérsias
que não possuem fundamento científico, se posicionando, até mesmo,
como parceira no controle do tabagismo , além de se utilizar de
grupos em defesa dos direitos individuais, de grupos contra os abusos
do governo e de grupos contra a pirataria. “A indústria usa de
muitos artifícios para revogar leis que atrapalham seus interesses.
Nos tribunais, por exemplo, ela questiona a constitucionalidade de
leis e de políticas, e alega que o processo foi indevido. Já em
tribunais internacionais de comércio, ela se vale da quebra de
direitos de marcas registradas e de propriedade intelectual”,
explicou.
A experiência do Brasil com sua Política
Nacional
Para apresentar as perspectivas da Política
Nacional de Controle do Tabaco, o seminário contou a presença da
secretária-executiva da Comissão Nacional para Implementação da
Convenção Quadro para Controle do Tabaco (Conicq), Tânia
Cavalcante. Segundo ela, a convenção é o primeiro tratado
internacional de saúde pública que consiste em um conjunto de
medidas intersetoriais e de cooperação internacional, assinado por
177 países. A Comissão Nacional para Implementação da Convenção
Quadro é uma política de Estado, criada por um decreto presidencial
em 2003 e tem caráter interministerial.
Tânia explicou que a ratificação da Convenção
Quadro pelo Brasil norteia o mapa da Política Nacional de Controle
do Tabaco. Várias entidades – Opas/OMS, Fiocruz, Anvisa, Inca,
Universidade Federais e Estaduais, Secretarias de Saúde, entre
outras – formam o arcabouço de governança e proteção da
Política, o que tem garantido que a mesma evolua, independente da
vontade política do governo do momento. Essa rede tem interagido com
o Congresso Nacional para defender medidas legislativas para controle
do tabaco.
O Plano de Enfrentamento as Doenças Crônicas Não
Transmissíveis 2011-2022 foi citado pela palestrante como um grande
avanço, além da Conicq. Tania também pontuou alguns desafios na
governança, como, por exemplo, a visão de que o controle do tabaco
no Brasil é um problema superado. “Não podemos baixar a guarda,
pois esse é um problema que ainda existe. É preciso integrar a
Política Nacional de Controle do Tabaco à Política de
Enfrentamento das DCNT, mas sem diluir o esforço concentrado. Além
disso, é preciso fortalecer mecanismos institucionais e o controle
social para proteger a Política de interferências indevidas, sem
deixar de ampliar e fortalecer parcerias no legislativo e
judiciário”, destacou a secretária executiva da Conicq.
O contexto mundial do tabaco para
o Endgame
Dando fim ao Seminário Internacional sobre as
Perspectivas de Controle do Tabaco no Mundo, a fundadora do Cetab e
atualmente chefe do Secretariado da Convenção-Quadro para o
Controle do Tabaco (CQCT) da Organização Mundial da Saúde, Vera da
Costa e Silva, comentou sobre a evolução da epidemia de tabaco no
mundo. Na opinião da pesquisadora, o sucesso dos países na
implementação de políticas abrangentes de controle do tabaco é
medido pela redução na proporção da população que faz uso do
produto. Quando esta proporção atinge níveis considerados muito
baixos - em torno de 5% ou menos - os governos perseguem estratégias
que reduzam ainda mais este consumo.
Vera trouxe para a discussão a utilização do
termo internacional Endgame (em português, "jogada
final"). “Por analogia, o termo é utilizado no processo de
novas estratégias de controle do tabaco, que vem sendo concebidas e
aplicadas por governos que se aproximam desta meta”, explicou. Em
seguida, citou exemplos de políticas de controle do tabaco que
seriam inovadoras, como a redução da demanda e da oferta e uma
possível desnormalização. Como exemplos de propostas acadêmicas
para o ‘Endgame’, a pesquisadora citou ainda a licença para
fumar; a redução na disponibilidade da oferta do tabaco; e a
imposição do limite de lucros, com a regulação do preço.
Alguns países já estão engajados no Endgame
e vem adotando medidas para controlar o uso de tabaco. O Butão foi o
primeiro país a proibir a venda de produtos de tabaco, em 2004. Em
2010 a Finlândia aprovou uma lei que pretende abolir o uso do
tabaco. Além disso, até 2040, através de uma campanha da sociedade
civil - Savuton Suomi - o país pretende ser livre de fumo. Já na
Irlanda, a estratégia do governo consiste em 60 recomendações para
reduzir significativamente o tabagismo durante os próximos doze
anos, levando a limites de prevalência menores que 5%.
A Escócia, em 2013, lançou uma nova estratégia
visando a criação de uma geração livre de tabaco até 2034. Já a
Austrália foi o primeiro país a introduzir embalagens genéricas
obrigatórias em todos os produtos de tabaco. O Brasil é primeiro
país a banir cigarros aromatizados e com sabor, incluindo o mentol.
A chefe do Secretariado da Convenção-Quadro expôs ainda as facetas
do tabaco, que pode ser visto como droga, produto legal ou commodity
e questionou se a melhor opção é proibir ou regular. “Mesmo o
fato de o Butão ter sido o único país a tornar a venda de tabaco
ilegal, aparentemente, não conseguiu zerar o consumo da substância.
Tal fato sugere que, ao invés da proibição, o caminho a seguir
pode ser o da regulação”, apontou.
Por fim, Vera destacou que as políticas que visam
atingir o Endgame do tabaco devem abordar de forma sistêmica
a droga que causa dependência, a commodity que gera dependência
econômica, e o produto que goza de um estado legal. “Os países
devem implementar plenamente a Convenção-Quadro para o Controle do
Tabaco e seus protocolos e ir além das medidas previstas pelo
tratado com o objetivo de preservar a saúde pública”, concluiu.
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